5.3.08

A Pega, de Amadeu Melão

A peça A Pega, do dramaturgo português Amadeu Melão, será eventualmente um dos mais soberbos exemplos de dramaturgia avant-garde produzida no nosso país.

Trata-se de uma obra onde, como nas restantes peças deste autor, é visível um extremo virtuosismo cénico. Só este factor seria mais do que suficiente para justificar uma apresentação deste trabalho. No entanto, esta é uma peça que não se esgota num onanísta e infecundo exercício estilístico. É, antes, um exemplo acabado de excelência numa pluralidade de factores (e pluralidade será, como veremos, um conceito-chave desta peça): há um fervilhante ritmo narrativo que enleia o espectador, há profundas observações sobre a natureza humana, há ironia... Mas o elemento que eleva definitivamente esta peça, e que a configura como uma produção sem paralelo no universo dramatúrgico nacional, são os cuidados jogos linguísticos que a compõem. Amadeu Melão dá nesta peça, de uma forma que – arrisco dizê-lo – mais nenhum autor ousou fazer, um papel preponderante à Língua Portuguesa. Se este arrojado gesto impossibilita, por um lado, uma adaptação da sua peça a uma língua estrangeira, por outro, é verdade que a acção que decorre em palco terá um efeito muito mais intenso junto dos espectadores que falem português.

A palavra “pega” ocupa, pois, um lugar central nesta obra. No decorrer da peça, a palavra “pega” configura-se, aos sentidos do espectador, como uma caixa de Pandora, fecunda no seu carácter poli-semântico. Um único actor tem a cargo a execução material desta Peça, encarnando a personagem de António Pegões (que, nesta apresentação da Companhia Dramática Zeitgeist, ficará a meu cargo). António Pegões vê-se, durante a totalidade da representação, confinado às paredes do seu quarto, enquanto enceta uma luta com os seus demónios que o leva próximo da loucura. A recuperar de um desgosto amoroso, Pegões vê-se confrontado com as suas obsessões, concentrando-se no seu objecto-fetiche: uma pega de cozinha.
Este será, talvez, o nível primário da utilização conceptual da “Pega”. Mas, no decorrer da acção, irão surgir variações sobre o tema (como a referência ao pássaro, ou até ao universo tauromáquico).


Uma amostra em vídeo será disponibilizada brevemente.

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