7.3.08

Murmúrio do passado

Há dias, enquanto andava em arrumações no atelier, encontrei um nostálgico fragmento da História da Companhia Dramática Zeitgeist.

Trata-se de um cartaz alusivo a um dos primeiros espectáculos que produzimos (também havia flyers, mas creio que terão todos sido engolidos pela gananciosa boca do tempo…), ainda em 2005. A peça chamava-se Lascas de Atum em Betão Armado, e teve este cartaz:


A Companhia Dramática Zeitgeist sempre primou pelo empreendorismo, acreditando no esforço e premiando o espírito do-it-yourself. Para este espectáculo, os cartazes foram feitos em folhas A4, fotocopiadas até à exaustão. Recordo-me de andarmos (eu e os artistas que compunham a Companhia na altura) até inomináveis horas da madrugada a espalhar cartazes destes pelas paredes de Poço de Bispo, Olivais, Braço de Prata e redondezas…

Este espectáculo acabaria por não se realizar, dada a trágica morte do autor, Pedro Avelar, dois dias antes da apresentação (vitima de uma queda que deu ao sair do autocarro 46, junto às Portas de Benfica).

Está ainda por fazer a devida homenagem a Pedro Avelar…

5.3.08

A Pega, de Amadeu Melão

A peça A Pega, do dramaturgo português Amadeu Melão, será eventualmente um dos mais soberbos exemplos de dramaturgia avant-garde produzida no nosso país.

Trata-se de uma obra onde, como nas restantes peças deste autor, é visível um extremo virtuosismo cénico. Só este factor seria mais do que suficiente para justificar uma apresentação deste trabalho. No entanto, esta é uma peça que não se esgota num onanísta e infecundo exercício estilístico. É, antes, um exemplo acabado de excelência numa pluralidade de factores (e pluralidade será, como veremos, um conceito-chave desta peça): há um fervilhante ritmo narrativo que enleia o espectador, há profundas observações sobre a natureza humana, há ironia... Mas o elemento que eleva definitivamente esta peça, e que a configura como uma produção sem paralelo no universo dramatúrgico nacional, são os cuidados jogos linguísticos que a compõem. Amadeu Melão dá nesta peça, de uma forma que – arrisco dizê-lo – mais nenhum autor ousou fazer, um papel preponderante à Língua Portuguesa. Se este arrojado gesto impossibilita, por um lado, uma adaptação da sua peça a uma língua estrangeira, por outro, é verdade que a acção que decorre em palco terá um efeito muito mais intenso junto dos espectadores que falem português.

A palavra “pega” ocupa, pois, um lugar central nesta obra. No decorrer da peça, a palavra “pega” configura-se, aos sentidos do espectador, como uma caixa de Pandora, fecunda no seu carácter poli-semântico. Um único actor tem a cargo a execução material desta Peça, encarnando a personagem de António Pegões (que, nesta apresentação da Companhia Dramática Zeitgeist, ficará a meu cargo). António Pegões vê-se, durante a totalidade da representação, confinado às paredes do seu quarto, enquanto enceta uma luta com os seus demónios que o leva próximo da loucura. A recuperar de um desgosto amoroso, Pegões vê-se confrontado com as suas obsessões, concentrando-se no seu objecto-fetiche: uma pega de cozinha.
Este será, talvez, o nível primário da utilização conceptual da “Pega”. Mas, no decorrer da acção, irão surgir variações sobre o tema (como a referência ao pássaro, ou até ao universo tauromáquico).


Uma amostra em vídeo será disponibilizada brevemente.